O Inesperado Fenômeno do Amor



Nos tempos atuais, discutir as relações afetivas tem se tornado cada vez mais natural, seja de forma publica através dos sites de relacionamento e redes sociais ou de forma privada, para aqueles que buscam “alugar ouvidos”. Nesse sentido, refletir sobre as emoções e em especial sobre o sentimento “amor” é de extrema importância, sobretudo em tempos em que a fluidez dos sentimentos gira tão rápido quanto o consumo das idéias veiculadas pelo sistema neoliberal.
Sendo assim, é possível refletir: que definição dar a esse fenômeno que ocorre e “arrebata” corações?  de que forma o homem moderno acomoda este sentimento em sua vida?
Na tentativa de responder tais questões, consideramos o discurso dos poetas e dos amantes sobre o amor, que lhe resguardam a fonte de felicidade plena e a nobreza do altruísmo. Tem-se, portanto, o mito do amor e, como todo mito, não é necessário pensar sobre seu nascimento. Ele simplesmente acontece! Contudo, sentir que possui um sentimento tão perfeito está para além do puro desejo de fazer bem ao outro.
O homem enquanto ser faltoso, angustiado e consumido pela dor do existir, diante da carga moral e ética que ronda seus desejos, das quais precisa dar conta e reprimi-los, repousa leve na representação dada ao fenômeno do amor, a qual é influenciada facilmente pelos contos e “histórias de amor”. E assim, é possível sentir-se preenchido e mais perto da sensação de felicidade e plenitude.
amor
O amor, enquanto desejo realizado provoca a idealização da pessoa amada e dela sente se tornar parte como numa relação anaclitica, justificada pelo incontestável argumento: “tudo por amor!”. Freud, já observara que o amor tende a funcionar como modelo de busca da felicidade e reconhecera sua natureza ilusória, no sentido de consolar e tornar tolerável o mal-estar próprio do desejo humano. A esperança da completude, que guarda relação com a necessidade de sentir o retorno de algo perdido, transforma o amor em desejo. Este, por sua vez, ganha precisos contornos nas pessoas e suas afinidades. Ainda, no pensamento freudiano, é possível situar a busca amorosa como a escolha de objeto do desejo (objeto do amor).
Lacan, ilustre psicanalista francês, dirá que quando se trata do amor o que está em jogo é a suposição de um ser no outro. Iludido pela suposição do que existe no outro ser, o sujeito busca com o amor fazer signo, suspendendo, ainda que provisoriamente, o deslizamento infinito do desejo. Em outras palavras: o amante percebe a pessoa amada de forma idealizada, deixando provisoriamente, inclusive, de dar importância às diferenças entre ambos, o que corresponde ao amor descrito pelos poetas românticos.
Colocadas as balizas conceituais e (des)ilusórias quanto ao amor, tomemos como desafio a espinhosa tarefa de sentir-se satisfeito com o amor inventado e com a tarefa de delimitá-lo, nos tempos pós-modernos. O homem pós-moderno precisa reinventar-se a todo instante, frente aos apelos midiáticos e ideológicos capitalistas neoliberais. Cumpre a ele, então, se moldar à ideologia neoliberal e colocar-se como objeto, mesmo que inconscientemente, internalizando “as promessas de amor e felicidade” que o sistema veicula em propagandas comerciais, por exemplo.
Ao homem, esse ser prenhe de um vazio existencial, só resta entregar-se a esse “amor” e “relacionar-se” cada vez mais com computadores e pensar que se relaciona com pessoas. Troca-se a proximidade física por conversas ao telefone celular ou chats, que por instantes geram sentimentos de plenitude e companhia.
No entanto, consumir algo assim, exige tempo de dedicação e amor ao trabalho. E tempo é o que falta ao homem dos dias de hoje. É quase impossível ter tempo para aprender a Ser, assimilar e acomodar as novas definições e principalmente a definição dos sentimentos. Portanto, com a mesma fluidez de informações e ordens para “Ser” tem-se um Eu, que não se descobre e por isso não pode se dirigir a um objeto de desejo real (outro ser humano) ou, como preferem os mais românticos, não há tempo para viver um grande amor.

Néia Mattos.